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«A Breve Vida das Flores» de Valérie Perrin

«A Breve Vida das Flores» de Valérie Perrin

A protagonista de "A breve vida das flores" é guarda de cemitério numa vila da Borgonha, entre três coveiros, três agentes funerários e um padre. Uma história sobre morte, perda e desaparecimento.

 

Venceu o Maison de la Presse e o Prix des Lecteurs. «A breve vida das flores», de Valérie Perrin, já traduzido para mais de 30 línguas, chega agora a Portugal com selo da Editorial Presença. Aqui, seguimos a vida de Violette Toussaint, que gira em torno dos mortos, já que é guarda de cemitério numa vila da Borgonha. Para lá dos sucessivos cadáveres, de quem vai registando os epitáfios, o seu mundo povoa-se de três coveiros, três agentes funerários e um padre. No que nos é dado, a vida parece ter estabilizado, confundindo-se os dias e os anos, até à chegada de Julien Seul, que vem para deixar as cinzas da mãe na campa de um desconhecido, ao mesmo tempo que tenta entender as razões deste pedido. Ao pegar num amor clandestino ali vivido, também se vê a vida de Toussaint em perspectiva, passando pela filha que morreu e o marido que desapareceu. É suave, a forma como Perrin toca nisto, já que durante uns tempos não se entende bem se desaparecimento é morte, e depois aparece o desaparecimento voluntário como faca que não sai.

 



A prosa vai directa à história, que está bem montada, compondo um todo orgânico, e as reviravoltas dão-lhe dinamismo. O romance, que aparenta encaminhar-se para um fim a direito, acaba por tocar em vários pontos. Perrin tem domínio de mão, a prosa que dá é elegante. Não sucumbe ao ambiente tétrico, não tenta dar mais do que o que existe. Não arma ao literário e não tenta puxar a emoção. Assim, consegue amiúde múltiplos efeitos, que se misturam entre candura e humor, perpassando um fundo de tragédia. Focando-se em Toussaint, também o entorno tem graça e frescura, com colegas de trabalho que quase parecem deslocados num lugar onde se apela à cerimónia e ao formalismo. 

Com estas histórias paralelas à história principal de Violette, Perrin vai marcando a prosa de traços de humor, que têm o condão de envolver e enlaçar. E, ao termos permanentemente o contraponto da mãe de Seul com o desconhecido e da vida de Violette com o marido, não dá para evitar o desfasamento da ironia: de um lado, os que quiseram estar juntos sem poderem, e que escolheram a morte como entrelaçar de mãos; do outro, o que partiu por querer, insistindo assim na persistência da memória, fosse por dor, dúvida ou raiva. Aliás, a forma como Violette começa a olhar para trás traz isso mesmo, a diferença com que se olha para um elemento estático consoante o tempo. Assim, ao pensar num abandono propositado (o marido teria partido de livre vontade, estava descartado um rapto ou uma morte acidental), eis a raiva a amansar-se até ao conformismo, eis a distância.


Ao tecer a matéria devagar, Perrin soube partir da sua personagem principal para ir tocando noutros lados, compondo um mosaico. Pelo meio, e sem que haja drama ou sentimentalismo, aparecem a morte, a perda e o desaparecimento em múltiplas formas, de múltiplos olhares. O cemitério, como pano de fundo, traz com frequência as campas esquecidas (“É sempre assim, com a morte. Quanto mais antiga é, menos poder tem sobre os vivos”, p. 19), os mortos para lá de mortos, já sem vivos que os lembrem, e a relação de quem fica com quem parte.

 Artigo completo em https://observador.pt/2022/03/06/valerie-perrin-e-um-romance-as-portas-do-cemiterio/

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